Bacana é quando você sofre preconceito e ainda vira atração do
coletivo!
Essa história é bem antiga... E nunca foi publicada! Só sabe dela
mesmo quem me viu contar ao vivo (o que eu particularmente acho que da um toque
especial) mas atendendo a muitos pedidos, segue:
Há uns 4 anos eu estava voltando do trabalho e quando desci do metro
estava caindo o diluvio sobre São Paulo. Abri meu guarda chuva e fui caminhando
até o ponto. Como eu pegava o ônibus no ponto final, ao invés de ficar tomando
chuva no ponto atravessei a rua e fiquei em baixo da marquise do mercado.
Quando o ônibus estacionasse eu atravessaria novamente.
O ônibus apontou na esquina e eu abri meu guarda chuva para
atravessar (detalhe: eu não gosto de sombrinhas porque acho que elas molham
mais do que se não usar nada, então normalmente tenho um guarda chuva daqueles
grandes). Foi só o tempo de eu abrir o guarda chuva e ouvi uma voz gritando
(coisas que eu não consegui entender) e o ônibus passou. Não parou no ponto.
Continuei aguardando.
Não aguardei nem 5 minutos e o ônibus apontou na esquina de novo.
Atravessei a rua.
Quando cheguei ao outro lado, uma mulher estava “socando” a lateral
do ônibus e gritando com o motorista (conclui que era mesma mulher que gritou
quando ele passou sem parar):
- Porque você não parou no ponto! A gente tomando chuva e você não
parou! Seu filha da puta! Que falta de
consideração...
Ali ela ficou... Batendo na lateral do ônibus e gritando uns 3 ou 4
minutos até que a porta abriu. Não contente, ela parou na escada e colocou o
dedo na cara do motorista e continuou a sessão ofensas. Quando finalmente eu
consegui entrar no ônibus, cumprimentei o motorista (era um habito já que eu
pegava o ônibus sempre no mesmo horário) seguiu-se o seguinte dialogo:
- Boa noite!
- Ah! Hoje a noite não ta muito boa não... Ficar ouvindo “xingo”
Eu encostei no painel para deixar o restante dos passageiros passarem
e comecei a falar com ele:
- Ah! Mas esquece isso ai! Não fica nervoso que é pior ainda! Tem
que dirigir, na chuva... melhor nem ligar
- Porra! Mas as pessoas ofendem sem nem saber o que esta
acontecendo! Eu não parei aqui a primeira vez porque tinha um ônibus na frente
e eu não caberia! Não posso parar em fila dupla. Ai, dei a volta no quarteirão.
- Então... mas as vezes a gente esta aqui no ponto, cansado, tomando
chuva... a gente quer ir embora e não pensa nessas coisas... e se teve um dia
ruim então, acaba descontando. Não é o certo, mas acontece.
Ai, a mulher levanta la no fundo, aponta o dedo pra mim e grita:
- O sua idiota! Não fica defendendo ele ai não hein?
Eu olhei pra ela, olhei para o motorista e falei:
- O senhor ta vendo? Ela esta completamente descontrolada! Não ligue
pra ela não.
E fui sentar. Passei a catraca e quando eu estava passando pelo
banco dela ele solta:
- É por causa de sapatão que o mundo esta desse jeito!
Eu parei, olhei pra ela e disse:
- A sua sorte minha senhora, é que eu sou sapatão mesmo, senão a
senhora estaria arrumando um grande problema agora.
E ai, sob o olhar curioso de todos os demais (parecia que eu tinha
dito: - A sua sorte é que eu sou de Júpiter... porque senão...) eu fui sentar.
Sentei naquele banco mais alto do ônibus, com um banco de diferença entre nós
duas.
Não contente, a cidadã continuou resmungando alto:
- Porque essa sapatão ta me afrontando... essa sapatão foi defender
o motorista... blá blá blá
Eu não estava a fim de mais briga e decidi que ia deixar ela falando
a viagem inteira se quisesse. Mas... Ela passou dos limites e disse: - Essa
sapatão é uma filha da puta.
Ai eu não aguentei. Levantei, me curvei pra frente sobre o outro
banco e dei um “pedala” nela. No susto, ela levantou num pulo e apontou o
guarda chuva pra mim. Na mesma hora eu puxei meu guarda chuva também e apontei
pra ela!
Assim, com nós duas “em guarda” eu disse pra ela:
- A senhora ia me chamar de sapatão a viagem toda e eu não ia
reclamar! Mas filha da puta não, que minha mãe não tem nada a ver com os seus
problemas. E agora eu me irritei. Se me chamar de sapatão de novo, vou chamar a
policia.
Ela abaixou o guarda chuva, colocou as duas mãos na cintura e disse:
- Sapatão! Sapatão! Sapatão!
Ai, eu liguei para a policia, disse que estava sendo vitima de
preconceito e onde eu estava. Mas me disseram no telefone que para eu abrir o
B.O. o ônibus não poderia sair dali enquanto a viatura não chegasse. Eu
pensei... Isso não era justo com os demais... Cansados, tomaram chuva, eu falei
que ia abrir mão então, pra deixar pra lá.
Assim que eu desliguei o telefone, ela levantou, foi ao corredor do
ônibus e disse:
- Vocês viram né pessoal? A sapatão ai só queria aparecer!
Eu liguei de novo pra policia. O ônibus saiu do ponto e começou o
trajeto. O policial falou para eu pedir pro motorista encostar e ninguém desce
ate chegar a viatura. Ele encostou. Quando eu ia passar o endereço, a mulher
pegou a bolsa e falou que ia descer.
Eu falei que ela não ia descer e o motorista abriu a porta.
Ela correu pra descer. Quando ela estava nos degraus, pra colocar o
pé na rua, a mulher que estava ao meu lado no banco que não tinha nada a ver
com a história pegou ela pelo cabelo e jogou de volta dentro do ônibus. Ai, eu
fui pra segurar ela e foi aquele rebuliço.
Me dei conta do que estava realmente acontecendo quando eu estava
com alguém me segurando já. A hora que apartaram a briga, ela desceu correndo
do ônibus e foi embora. Ai o policial disse as minhas opções: ou eu descia do
ônibus também e segurava ela enquanto a viatura chegava, ou eu seguia viagem e
ia em alguma delegacia dizer que o motorista abriu a porta e blá blá blá...
Enfim, eu segui viagem e obviamente não fiz nada contra o motorista.
Quando eu estava me recompondo e voltando para o meu lugar, um homem
disse:
- Ainda bem que a louca desceu.
- Ainda bem? A mulher me ofendeu do jeito que ela quis. Eu não
mandei a policia vir a primeira vez em respeito aos demais e agora ela foi
embora impune e você diz tudo bem?
- Acho que você esta analisando da perspectiva errada... Eu estava
perto dela quando ela começou a gritaria toda... Foi tudo porque ela perdeu a
paciência de esperar o ônibus mais 5 minutos. Veja, ela vai ter que voltar a pé
lá pro ponto final, esperar o próximo ônibus, agora esta chovendo muito mais
que antes e vamos combinar que você bem acertou uns dois bem dados nela né?
Pensei... Não é que ele tem razão?